segunda-feira, março 06, 2006

Fragmentos I

Nampula, 17 de Janeiro de 2002
Meu querido!

Não sei bem como começar. E acredita que desejava que percebesses um pouco tudo o que se passou comigo. Sei que porventura pensas que não foi a forma mais correcta de eu resolver as coisas mas foi aquela que na altura me pareceu mais fácil de fazer. Ou não. Se calhar continuo a ser egoísta e a pensar só em mim, e a desejar o que não posso nunca ter. Mas eu preciso mesmo de encontrar algo, que sinta que é meu, que eu ame e que me ame também.
Gostava de pedir desculpas a todos os que penso que magoei. Desculpa sinceramente! Não quero que pensem que estou a brincar e peço que me entendam, apesar de parecer difícil.
Olha, sabes bem que o problema todo é comigo. A minha falta de amor próprio faz-me muitas vezes desejar o impossível e continuar a insistir até não aguentar mais. Foi um pouco o que aconteceu. Desejei demais, apesar de por vezes consciente do que já tinha conseguido na minha vida. Mas tu também sabes que por vezes o coração tem uma força enorme, quase impossível de se medir, maior do que a própria razão e que toda a sabedoria do mundo.
Sempre pensei que conseguia controlar tudo, que podia mudar a minha vida para que me tornar um pouco mais feliz. Durante muito tempo nem sequer me apercebi que a felicidade é um bem que se vai conquistando ao longo da vida, com a calma e a serenidade dos anos. E que chega naturalmente como a vida ou a morte. E nunca, sei-o agora, da forma como desesperadamente a tentei agarrar.
A verdade é que a determinada altura perdi o controlo da situação e só consegui espalhar dor e desilusão aos poucos que ainda restavam comigo. Consegui perder a felicidade já conquistada, que e tal como num jogo em que só os pontos contam, muita falta me fazem agora.
Gostava de tentar explicar como me perdi depois. Quando tomaste a decisão de continuar a tua vida sem mim, senti o mundo desabar. E deixei-me afundar uma vez mais, á semelhança do que tinha feito no passado quando me nasceu o segundo filho (que eu tanto amo!).
Passei a viver tal como um drogado, procurando desesperadamente algo que acalmasse a minha dor, a minha angústia e o vicio em que me tinha afundado. Porque tu, no fundo, não deixaste de ser um vicio, o meu vicio.
Passei dias inteiros obcecada contigo, em te falar, ouvir a tua voz ou simplesmente saber algo de ti. Onde estarias, como estavas, e com quem estavas, o que fazias. Queria mesmo era saber o que ainda sentias: terias saudades minhas, pensarias em mim? O que pensavas de mim? O que pensas de mim?
Aos poucos, muito lentamente, fui-me apercebendo como isso era impossível. Desapareceste sem sequer deixares recado, sem abandonares a tua vida, a tua rotina, a tua casa, os teus hábitos, os teus amigos. Desapareceste apenas de mim. Deixaste de estar naturalmente do meu lado. E isso quase me levou à loucura.
Vivi momentos de dolorosa angustia e ansiedade. Comecei a passar mal até fisicamente, com suores frios, dores no peito, quebras de tensão e dias completos sem dormir. Irremediavelmente tive que recorrer aos anti-depressivos para aguentar os próprios dias. As doses foram aumentando até chegar ao ponto de entrar num circulo muito perigoso e nefasto. Apercebo-me agora que me tinha, de certa forma, tornado numa viciada.
Porém e tal como o sol que morre todos os dias para nascer na manhã seguinte, um dia renasci de novo e quis, desejei mesmo, passar a controlar de novo a situação. Não imaginam como foi difícil e como foi a minha primeira semana sem drogas e também sem ninguém. Porque continuava sozinha e tudo consegui sozinha.
Quantas vezes cheguei a pegar no telefone, a marcar o teu numero e depois de seguida desligar. Pensei tantas vezes em te pedir ajuda. Precisei tanto da vossa ajuda. Tanto!
Eu sei, “quem semeia ventos, colhe tempestades” mas penso que tudo o que me aconteceu já estava definido, estava no meu destino. Perguntas se acredito no destino? Não. Não sei, mas quero acreditar que sim, também um pouco para me poder perdoar a mim mesmo.
Na segunda semana sem dependência química comecei a ficar mais relaxada. Confesso que também devido ao apoio do meu psicólogo, que me ajudou a meter na cabeça os valores e riquezas que a vida continuava a ter e que eu tinha perdido.
Decidi em pouco mais de dois meses vir para cá, para a minha nova casa, a minha nova família. Isto é lindo sabias?
Olha meu querido, não te vou dizer que estou completamente feliz e curada, e muito menos que me esqueci do que se passou. Sinto muita a falta dos meus filhos, a tua falta. Mas quero acreditar que aqui vou reencontrar a serenidade suficiente que me permita um dia voltar.
Quero poder voltar a conquistar os meus filhos, o amor dos meus filhos. Não quero que entendam o que fiz ou porque o fiz. Quero apenas ter a oportunidade de lhes dar todo o meu amor, aquele que nunca morreu no meu coração e que por pouco me levou a própria vida.
Espero e rezo a Deus todos os dias, para que não seja tarde demais.
Beijos a todos,

Rita Freitas

5 Comments:

Blogger Rui said...

Gostei muito de ler a Rita. :)

3:01 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Lembra algo =D
Já leste o "Baunilha e Chocolate"?
Sorrisos com beijos e sabes k mais? O coração é o k temos de mais forte... e os amigos tmb =D
SORRISOS só pa ti

8:16 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Sofia, adorei o texto! Super intenso e realista! Ai a felicidade.... ninguém pode dizer que é 100% feliz! Para mim quem diz isso ou é louco, ou está bebado, ou sob o efeito de algum tranquilizante ou qualquer droga... Nós temos é momentos de felicidade e quando eles surgem ou nós os criamos - temos de os aproveitar ao máximo! Beijocas e felicidades para ti, Calaia.

4:36 da tarde  
Blogger Alberto Oliveira said...

... a Rita precisou de fazer a sua travessia do deserto, muito dura, para ter uma visão diferente da sua vida e das opções quie tomou; que ela denomina de destino...

Belo texto. Parabéns Sofia.

Bjs.

10:00 da tarde  
Blogger SpiritMan aka BacardiMan said...

Ok! É um post que revela, algum desespero, vulnerabilidade (muita) e dependência (muita) e tudo por falta de consistência e bem estar interior. Sobressai no fim a esperança e a ajuda de um psicólogo, psicólogo este que promoverá na personagem o caminho pra que ELA, e só ELA, proceda, devidamente motivada e apoiada, à mudança...

Gostei do post sim, real ou não expressa bem uma determinada formas de vida, um determinado estado interior.... e que eu, pessoalmente, acho que se devidamente apoiado e orientado tem todas as condições pra renascer!

Cumprimentos mixed by Jameson 12 anos!!!

1:33 da tarde  

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