O Abraço
Leonor olhou para o relógio do monitor, eram 20:17. Suspirou e achou que já eram horas decentes de ir para casa. Desligou maquinalmente o computador, depois o monitor, o ups e finalmente a ficha tripla que por segurança cortava em definitivo a corrente dos computadores da empresa. Estava já a sair do escritório rumo ao descanso, quando tocou o telefone. Voltou atrás a correr:
- Estou sim?
A voz do outro lado perguntava-lhe acerca do Dr. Nogueira.
- Sim, é do consultório do Dr. Nogueira mas já estávamos a fechar. (……) Não o Sr. Dr. já saiu. (......) Vai ser impossível, o Sr. Dr. já só volta na segunda. (……) Sim, sim, com certeza, fica anotado. Obrigado e boa noite.
Correu para a porta desejando que o telefone não voltasse a tocar. Enfiou a chave na porta e aproveitou para chamar o elevador. Enquanto este subia accionou o alarme do escritório e fechou a porta à chave. Entrou à pressa no elevador e carregou no -3. Finalmente, estava fora do escritório. Será que ainda ia a tempo de apanhar algum sol do dia?
Na garagem, às escuras Leonor accionou a comando do seu carro para o abrir. O som estridente do alarme e as luzes amarelas a piscar mostraram-lhe a direcção a seguir. Correu para o carro. Sorriu ao pensar que hoje não precisava de ir buscar a Beatriz a casa da mãe. Hoje a sua pequena ia ficar a dormir em casa da avó.
De vez em quando a sua mãe dava-lhe assim como que um bombom. Dizia-lhe que era para ela se poder divertir, sair com os amigos, ir ao cinema mas Leonor acabava sempre por ficar a trabalhar demais. Nesses dias ficava sempre sem saber o que poderia fazer com a noite livre e muitas vezes acabava num shopping a comer comida de plástico e a entrar e sair de quase todas as casas de roupa e sapatarias que houvesse. Era louca por sapatos e tinha com certeza umas boas dezenas de exemplares no armário de casa. Era a sua única paixão e pela qual gastava rios de dinheiro. Tinha uns de cada cor e feitio: sapatos, sandálias, botas, botins, sapatilhas. Uma verdadeira colecção.
Leonor tinha 35 anos e uma vida no mínimo de 70. Uma filha de 5 anos. A sua Beatriz. Um divórcio de 2 anos. Uma sociedade numa empresa de advocacia. Um apartamento. Um carro. Para Leonor era como se já tivesse conquistado um mundo. Tinha já conseguido tanta coisa sozinha. A sua filha fazia-a acreditar no amanha e trabalhava essencialmente para o bem-estar das duas. Esforçava-se por lhe dar uma boa educação e tentava gastar todo os seu tempo disponível com ela, vendo-a crescer, ajudando-a a crescer. Viajavam muito, sempre juntas e sozinhas. Tinham uma forte e especial ligação. E Leonor considerava-se uma mulher quase feliz.
Quase! Porque ultimamente algo a incomodava.
Saiu do estacionamento do prédio onde trabalhava e decidiu ir ver o mar, tentar aproveitar os últimos raios de sol desse mês de Junho. Rolou lentamente pela A5 até Cascais. Estacionou perto do centro e caminhou a pé até à praia de St. Marta. Petiscou qualquer coisa no bar da praia, que a esta hora ainda se via salpicada de banhistas.
Desceu as escadas até ao areal, sentou-se no chão e descalçou as suas sandálias D&G pretas. Enterrou os pés na areia já morna, pronta a esfriar. E ficou a olhar o mar, sentindo a doce brisa que corria aquela hora. Esteve assim algum tempo pensando em tudo. Tentava descortinar o que lhe ensombrava recentemente os seus sonhos, a sua vida. “Afinal o que é que me falta?” interrogava-se Leonor. Sem saber como, começou a chorar, baixinho pois não queria incomodar os que insistiam em ficar por ali. Enfiou a cabeça por entre os joelhos e deixou sair aquele peso que há dias lhe enchia o coração. Uma mão no ombro direito sobressaltou-a. Rodou a cabeça na sua direcção parando as lágrimas que não sabia de onde tinham vindo. Um velho dos seus 60 anos, que trabalhava provavelmente ali na praia, sorriu-lhe. “A menina está bem? Sente-se bem, precisa de alguma coisa?”
Leonor levantou-se embaraçada desculpando-se à toa. Tentou sorrir e convencer o bom homem que estava bem. “Tem idade para ser minha filha. Eu tive um dia assim, uma filha como a menina. Bonita e tudo. Assim mesmo tal como a menina. Levou-ma o bom Deus há 2 anos. Foi a droga sabe, ela nunca foi muito forte a pequena!” Leonor ainda hesitou uns segundos mas não aguentou e lançou-se ao pescoço do velho num forte abraço. O velho anuiu e abraçou-a com vontade, enquanto lhe afagava os seus cabelos longos: “Chore menina, chore à vontade, vai ficar tudo bem. Vai ver que sim. Acredite aqui no velho Sebastião!”
De regresso a casa Leonor, já mais calma, sorriu ao pensar no velho. Era como se fosse um anjo, o seu anjo protector, que lhe tinha aparecido na altura certa. E lhe tinha demonstrado o porquê da sua recente apatia. E a tinha saciado.
Leonor já não se lembrava de um abraço daqueles. A falta que tinha sentido dele todo este tempo. O deixar-se ir pelo calor do corpo do outro, afundando ali todas as suas mágoas. Era como uma fonte de alento, uma força extra, um carregar de baterias. O milagre que um simples abraço nos pode trazer. Alegrou-se ao pensar de como existem gestos tão simples capazes de nos encher de alegria e paz.
Nunca Leonor pensara nisso antes. A falta de que sentia de um simples abraço. Um abraço de pai, de marido, de namorado, de um simples amigo. Mas um abraço. Forte e sentido, como aquele que o velho Sebastião a tinha brindado.
Resolveu ir directa para a casa da mãe. Hoje queria estar com a Beatriz e se possível dormir abraçada a ela. Para que nunca a sua pequena sentisse tanto a falta de um abraço.
Uns dias mais tarde voltou a praia com a sua filha. Ao longe, junto ao bar onde tinha jantado uns dias antes viu o seu Sebastião. Este sorriu-lhe e piscou-lhe o olho. Leonor sorriu-lhe de volta. Jamais esqueceria o seu anjo Sebastião.
- Estou sim?
A voz do outro lado perguntava-lhe acerca do Dr. Nogueira.
- Sim, é do consultório do Dr. Nogueira mas já estávamos a fechar. (……) Não o Sr. Dr. já saiu. (......) Vai ser impossível, o Sr. Dr. já só volta na segunda. (……) Sim, sim, com certeza, fica anotado. Obrigado e boa noite.
Correu para a porta desejando que o telefone não voltasse a tocar. Enfiou a chave na porta e aproveitou para chamar o elevador. Enquanto este subia accionou o alarme do escritório e fechou a porta à chave. Entrou à pressa no elevador e carregou no -3. Finalmente, estava fora do escritório. Será que ainda ia a tempo de apanhar algum sol do dia?
Na garagem, às escuras Leonor accionou a comando do seu carro para o abrir. O som estridente do alarme e as luzes amarelas a piscar mostraram-lhe a direcção a seguir. Correu para o carro. Sorriu ao pensar que hoje não precisava de ir buscar a Beatriz a casa da mãe. Hoje a sua pequena ia ficar a dormir em casa da avó.
De vez em quando a sua mãe dava-lhe assim como que um bombom. Dizia-lhe que era para ela se poder divertir, sair com os amigos, ir ao cinema mas Leonor acabava sempre por ficar a trabalhar demais. Nesses dias ficava sempre sem saber o que poderia fazer com a noite livre e muitas vezes acabava num shopping a comer comida de plástico e a entrar e sair de quase todas as casas de roupa e sapatarias que houvesse. Era louca por sapatos e tinha com certeza umas boas dezenas de exemplares no armário de casa. Era a sua única paixão e pela qual gastava rios de dinheiro. Tinha uns de cada cor e feitio: sapatos, sandálias, botas, botins, sapatilhas. Uma verdadeira colecção.
Leonor tinha 35 anos e uma vida no mínimo de 70. Uma filha de 5 anos. A sua Beatriz. Um divórcio de 2 anos. Uma sociedade numa empresa de advocacia. Um apartamento. Um carro. Para Leonor era como se já tivesse conquistado um mundo. Tinha já conseguido tanta coisa sozinha. A sua filha fazia-a acreditar no amanha e trabalhava essencialmente para o bem-estar das duas. Esforçava-se por lhe dar uma boa educação e tentava gastar todo os seu tempo disponível com ela, vendo-a crescer, ajudando-a a crescer. Viajavam muito, sempre juntas e sozinhas. Tinham uma forte e especial ligação. E Leonor considerava-se uma mulher quase feliz.
Quase! Porque ultimamente algo a incomodava.
Saiu do estacionamento do prédio onde trabalhava e decidiu ir ver o mar, tentar aproveitar os últimos raios de sol desse mês de Junho. Rolou lentamente pela A5 até Cascais. Estacionou perto do centro e caminhou a pé até à praia de St. Marta. Petiscou qualquer coisa no bar da praia, que a esta hora ainda se via salpicada de banhistas.
Desceu as escadas até ao areal, sentou-se no chão e descalçou as suas sandálias D&G pretas. Enterrou os pés na areia já morna, pronta a esfriar. E ficou a olhar o mar, sentindo a doce brisa que corria aquela hora. Esteve assim algum tempo pensando em tudo. Tentava descortinar o que lhe ensombrava recentemente os seus sonhos, a sua vida. “Afinal o que é que me falta?” interrogava-se Leonor. Sem saber como, começou a chorar, baixinho pois não queria incomodar os que insistiam em ficar por ali. Enfiou a cabeça por entre os joelhos e deixou sair aquele peso que há dias lhe enchia o coração. Uma mão no ombro direito sobressaltou-a. Rodou a cabeça na sua direcção parando as lágrimas que não sabia de onde tinham vindo. Um velho dos seus 60 anos, que trabalhava provavelmente ali na praia, sorriu-lhe. “A menina está bem? Sente-se bem, precisa de alguma coisa?”
Leonor levantou-se embaraçada desculpando-se à toa. Tentou sorrir e convencer o bom homem que estava bem. “Tem idade para ser minha filha. Eu tive um dia assim, uma filha como a menina. Bonita e tudo. Assim mesmo tal como a menina. Levou-ma o bom Deus há 2 anos. Foi a droga sabe, ela nunca foi muito forte a pequena!” Leonor ainda hesitou uns segundos mas não aguentou e lançou-se ao pescoço do velho num forte abraço. O velho anuiu e abraçou-a com vontade, enquanto lhe afagava os seus cabelos longos: “Chore menina, chore à vontade, vai ficar tudo bem. Vai ver que sim. Acredite aqui no velho Sebastião!”
De regresso a casa Leonor, já mais calma, sorriu ao pensar no velho. Era como se fosse um anjo, o seu anjo protector, que lhe tinha aparecido na altura certa. E lhe tinha demonstrado o porquê da sua recente apatia. E a tinha saciado.
Leonor já não se lembrava de um abraço daqueles. A falta que tinha sentido dele todo este tempo. O deixar-se ir pelo calor do corpo do outro, afundando ali todas as suas mágoas. Era como uma fonte de alento, uma força extra, um carregar de baterias. O milagre que um simples abraço nos pode trazer. Alegrou-se ao pensar de como existem gestos tão simples capazes de nos encher de alegria e paz.
Nunca Leonor pensara nisso antes. A falta de que sentia de um simples abraço. Um abraço de pai, de marido, de namorado, de um simples amigo. Mas um abraço. Forte e sentido, como aquele que o velho Sebastião a tinha brindado.
Resolveu ir directa para a casa da mãe. Hoje queria estar com a Beatriz e se possível dormir abraçada a ela. Para que nunca a sua pequena sentisse tanto a falta de um abraço.
Uns dias mais tarde voltou a praia com a sua filha. Ao longe, junto ao bar onde tinha jantado uns dias antes viu o seu Sebastião. Este sorriu-lhe e piscou-lhe o olho. Leonor sorriu-lhe de volta. Jamais esqueceria o seu anjo Sebastião.
(Dedicado à Calaia com um beijinho especial!)
19 Comments:
nenhuma palavra aqui em comentário, consegue alcançar a beleza do que escreveste...
*****
bj
Comentários, para quê? Um beijo e uma boa Páscoa.
Ai Sofia assim ainda me fazes chorar...é lindo ..( e olha que não sou muito dessas mariquices)
Beijinhos uma Páscoa feliz.
Lindo... a Leonor vai na brasa...
inté e jks
\/
Que história fantástica... e ainda bem que há amigas virtuais que também têm palavras certas na hora certa.
Boa semana :)
Beijinhos
O olhar, um toque, uma palavra. Ás vezes, é preciso tão pouco para se ver tudo com outros filtros, não é?
E não é que eu acho que deve haver mesmo Anjo da guarda que nos acompanha sabe-se lá donde, ou alguém que nos escuta sabe-se lá porquê, ou a mão de Deus que nos toca sabe-se lá como...
Eu já acreditei que fui tocada (literalmente), mas com o passar dos tempos penso se não terei imaginado... Não. Fecho os olhos e lembro-me. Foi real.
E eu tenho o meu Anjo da guarda. E tu o teu. Como todos nós.
Xi
P.S. Gostei muito de mais esta exposição.
Que lindo, Sofia...
Diz à "Leonor" que eu tenho um par de braços abertos para ela, sempre que ela precisar... Não moro em Santa Marta, não conheço nenhum Sebastião (embora conheça outros anjos com outros nomes) mas tenho aqui um par de barços disponíveis...
(e diz à "leonor" para, quando quiser vir, trazer a sua "Beatriz"... A minha filha ia adorar...)
; )
Um beijo enorme.
Obrigada Sofia! Fiquei simplesmente arrepiada e sem palavras... adorei a história!!! Eu acredito que há efectivamente alguém,um ser divino, um anjo da guarda, alguma coisa, o que seja que aparece naqueles momentos certos... eu felizmente já senti essa "mão amiga" e acredita que nunca a esqueci! E tu também tens de certeza, principalmente por seres a pessoa extraordinária que és!!! Beijinhos e um xi, Calaia.
Obrigado por adorares o meu blog, apesar de ser uma pequena GRANDE MERDA...lol
Obrigado sinceramente
jks e inté
Adiciona....
Beijos
Ola Sofia bem vinda ,,já tinha saudades tuas.
Beijinhos,
LINDA a história da Leonor!!!!
A falta que nos faz um ABRAÇO e aquilo que provoca!!!
Tens o meu ABRAÇO sempre que quiseres e o meu BEIJO REPENICADINHO!!!!
Beijos
Su
A quem por nós vela. Tenha o nome que tiver.
Beijo grande.
Olá,
passei por aqui no meio destas deambulações blógicas... e gostei...
Vou voltar e ler-te com mais atenção...
ET
belo abraço que me deste. toma lá outro.
Passei só para dar um abraço em forma de beijo :)
SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS
SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS
SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS SORRISOS
=D
Olá,
vim ter ao teu cantinho atraves de outros. Passear pelos canteiros foi maravilhoso,e parei neste Abraço. Historia doce e ternurenta.
Deixo-te um poema meu
O Abraço
De repente apeteceu-me abraçar-te
com força, muito apertado
neste momento encantado
sentires o calor do meu coração
as nossas almas fundirem-se numa só
num amplexo tão inocente
como se fossemos duas crianças
sem maldade
sem medos
sem pressa de chegar
O peculiar de mãos entrelaçadas
em doces sintonias
embalado pela saudade
emoções brotam, neste entardecer
deleito-me no leito da alma.
jinhos
Isa
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