sexta-feira, janeiro 27, 2006

Para ti...

Ultimamente era assim. Sempre que entrava em casa sentia aquela angústia, aquele medo, aquela incerteza. Apetecia-lhe sempre chorar.
Fechava a porta e escutava para saber se estava alguém em casa. Raramente estava. Hoje não era diferente. Despejava o casaco, a carteira, os sapatos que já lhe magoavam e pensava “Finalmente o descanso!”
Rapidamente lhe passava essa ideia. A tristeza invadia-a de novo. Porque?, pensava ela, O que se passava afinal na sua vida?
Rapidamente se dirigia para a cozinha para preparar mais um jantar. Sempre adorou cozinhar mas agora até isso a desmotivava. Sendo assim agia maquinalmente, descascava as batatas, ligava o lume, temperava a carne. Muitas vezes chegava à mesa e surpreendia-se a si mesma com o jantar que confeccionara. Não se lembrava de nada, se tinha posto sal, se as batatas estavam devidamente cozinhadas… provava a medo a refeição e interiormente acalmava-se quando sentia que tudo lhe tinha saído bem. Mastigava lentamente a comida não para a saborear bem, conhecia o sabor dos seu cozinhados há anos e pareciam-lhe sair sempre igual. Prolongava aquele ritual mais para descansar. Sabia que no fim tinha que arrumar e limpar tudo e preparar um outro dia.
O silencia reinava. Trocavam cada vez menos palavras. Estas pareciam que custavam a sair. Parecia já nada haver a dizer-se. Que tristeza!
“Esta tudo bem? Algum problema?” Perguntara repetidamente essa pergunta. Até ela passou a ser uma rotina. E a resposta também. “Sim, tudo.Tudo na mesma.” Nunca percebia a resposta. Por mais que a ouvisse e tinham sido já várias as vezes, ficava sempre pendurada nessa declaração “tudo na mesma”. Era bom ou mau afinal? A julgar pela emoção com que tinha sido dita desconfiava que nem por isso, não devia ser lá muito bom.
Em vão tentava perceber o que se passava. Primeiro tinha ficado na expectativa, dias maus todos os temos e convêm respeitar esses momentos. Mas os silêncios iam-se prolongando e a distancia aumentando, e como dizia o Rui Reininho na musica “senti as nossas vidas separadas” e resolveu actuar. Perguntou sobre o emprego, as dores nas costas, as suas viagens, sobre a sua vida, tentando apanhar pedaços que juntos fizessem luz sobre a apatia dele. Ouvia os desabafos sobre pequenos problemas e não ficava convencida. Não tinha sido sempre assim? Sermos desvalorizados na empresa em que trabalhamos? Sentirmo-nos exaustos depois de mais um dia de trabalho? Desanimarmos sempre que alguma coisa não corre como tínhamos planeado? Então isso não era motivo, motivo suficiente para este distanciamento.
Há algum tempo que ele ia sobrevivendo ao lado dela. Como seria com os outros? Seria só com ela? Esta bem, inseguranças de mulher dirão vocês mas algo não batia certo e tinha-se tornado num obstáculo que ela não conseguia ultrapassar.
Tinha perdido a motivação para tudo: para se levantar de manha e ir trabalhar, para vir para casa e viver os poucos momentos que a vida de casado infelizmente tem, para sair e ir ao ginásio, para cozinhar. Passou a viver ela também um bocadinho à margem.
Não percebia e não entendia o silêncio. Detestava-o, e fazia-a sofrer. E nem o seu visível sofrimento o parecia incomodar. Olhava para ela e dizia “Tem calma, não comeces!”
Tinha deixado de se interessar pelas suas coisa. Se ela ia viajar ou não, se ia ao medico (“Não posso sair a essa hora mas depois liga-me.”), se o seu humor a magoava, se a via triste. Era verdade, tinha chegado a conclusão que isso tinha deixado de o interessar também. “Sou Aquário que queres? Os Aquários têm tendência de se fecharem em si mesmo?” E de magoar, os Aquários teriam essa tendência?
O que mais a deixava doida era a incerteza, a eterna duvida. E era essa dúvida que lhe enegrecia o coração sempre que chegava a casa. E hoje não era diferente. Chegou a casa, pousou as coisas e olhou-se no espelho. Não gostou de se ver. Parecia mais velha, pele amarelada, olheirenta. “Quem és tu?” apeteceu-lhe perguntar. “És tu que vive nesta casa?”. Ela não era com certeza. Eles agora iam sobrevivendo, assim assim, como se podia, “ como Deus quer”, atitude típica dos vencidos.
Nesse dia resolveu quebrar a rotina. Estava cansada, parecia que não dormia à séculos. Tomou dois Xanax e enfiou-se na cama. Queria dormir, dormir dormir…… amanha tomaria uma atitude. A certa, a adequada, a imatura, a irracional, isso não sabia mas alguma coisa faria. Assim não podia continuar!