quarta-feira, maio 31, 2006

Coisas insignificantes

Hoje acordei nostálgica. Com saudades de uma infinidade de coisas. Coisas bobas a que nunca dei especial significado mas que agora se me configuram como mel numa garganta irritada. Coisas simples e sem grande significado mas que agora me parecem as maiores façanhas do mundo.
Eu adoro viajar. Mas acho que mais do que isso, viajar e conhecer sítios, adoro andar de carro. Conduzida, bem entendido. Também gosto de conduzir mas o prazer de passear de carro, vendo as arvores e as casas a correrem como que a fugir de nós, só dá prazer no lugar à direita do condutor. Sim porque nem nos lugares traseiros eu gosto. Não se tem uma visão completa, perdem-se muitos pormenores. E eu sou uma pessoa de pormenores. Sou curiosa, quero ver tudo, sentir tudo, saborear tudo.
Tenho saudades de ser conduzida. De tirar prazer de um simples passeio de carro. De poder quase adormecer embalada com o movimento do carro, do calor do sol a bater-nos na cara e a aquecer-nos a alma, do torpor no corpo depois de umas horas sentada.
É estúpido, eu sei. Até porque não é um prazer nada especial, impossível de se concretizar, ou dispendioso (quer dizer, ao preço que a gasolina está, começa a ser um luxo na verdade!).
Mas hoje acordei assim, com uma daquelas vontades de ser conduzida, de passear de carro, como fiz tanta vez, por locais novos ou já conhecidos mas sempre com um enorme prazer. Prazer que só hoje descubro que tinha. Era tão normal fazê-lo que nem o sabia como prazer. Desfrutava-o. Muito. De todas as vezes. Mas não lhe reconhecia qualidades de verdadeiro prazer. Afinal era-o.
Depois isto fez-me pensar, de que mais tinha eu saudades? De que simples hábitos perdidos sentia eu a falta? Sorri ao mesmo tempo que as lágrimas me subiram aos olhos: tinha saudades também de cozinhar. Cozinhar. Qualquer coisa, um prato simples. Mas prepará-lo, com cuidado e sem pressas. Verificar os temperos, sentir o cheiro familiar dos meus cozinhados. Sentir crescer a água na boca, ansiosa por me poder sentar à mesa e deliciar-me com o “meu” cozinhado.
Sempre adorei cozinhar. Desde miúda. Lembro-me de como a minha mãe gostava especialmente desta minha paixão. Ao fim de semana lá me ia dizendo “este fim-de-semana não queres experimentar uma receita nova? Das tuas?” e sorria-me maliciosamente. Depois, talvez este prazer se tenha tornado em hábito, e de hábito em obrigação, e de obrigação em cansaço e daí em diante. Nunca cheguei a detestar cozinhar mas sei bem que das últimas vezes que o fiz não sentia “aquele” prazer.
Mas hoje, acordei assim. Nostálgica. E senti vontade de ser conduzida. E de fazer um cozinhado. E receber pessoas em casa. E do nada fazer um bom serão. E depois me enroscar na minha cama ou no meu sofá (lembrei-me agora que também tenho saudades de adormecer no sofá!). Sentir o calor invadir-me o corpo. E adormecer a sorrir. Cansada, com vontade, mas cheia de prazer.
De fazer alguém feliz e de me sentir também eu feliz.

(Obrigado ao Zé e à Calaia pelo passeio do fim de semana.)

quinta-feira, maio 25, 2006

Saber Amar

Uma vez disseram-me “eu não fui feito para amar ou ser amado”. Na altura sem perceber o verdadeiro significado desta declaração disse que eu, por outro lado, tinha sido feita para "amar e não ser amada". São coisas que deixamos sair, que muitas vezes sem pensar nos saem mas que transmitem bem aquilo que sentimos. Creio que muitas das vezes só não as pensamos porque nos fazem verdadeiramente sofrer e preferimos sorrir ao ouvi-las, ou dizer um ou dois disparates.
Na verdade, agora que penso mais friamente sobre essa frase creio que eu, apesar de tudo, tenho que me sentir melhor por amar e não ser amada. Não concebo a minha vida sem amor. Seja lá pelo que for. Mas amor, amor sentido, verdadeiro. E acho que amar nos faz bem. A mim faz-me sentir útil. Acordar de manhã e pensar que existe alguma coisa que me faz mover, ter esperança, alguma alegria. Para mim isso é fundamental!
Claro que existimos sempre nós, e que devemos viver para nós em primeiro lugar, que nos devemos amar acima de qualquer coisa. Nós somos o mais importante, sempre. Mas como com tudo aquilo que temos por certo, isso só não basta. Temos que ter algum “ser” para o qual possamos transferir o nosso amor, a nossa afeição. Para mim só isso me faz dar algum sentido à vida. Mesmo que o nosso amor não seja correspondido é bom amar. É bom manter a esperança, mesmo que ela nunca se concretize, ficar na expectativa de ver acontecer alguma coisa, muitas vezes sem sabermos bem o quê e sorrir quando uma migalha de sol nos cai no colo.
Agora, não amar? Não sentir vocação para? Não se sentir capaz de? Não concebo. E deve ser muito pior, muito mais triste. Deve doer muito mais. E claro, quem não é capaz de amar não se sente preparado para ser amado. Daí ter entendido perfeitamente o sentido da frase “não ser feito para amar ou ser amado”.
Isto fez-me lembrar uma definição de solidão que li no blog do VítorSolidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.” Creio que só alguém que sofra de solidão poderá dizer que não sabe amar!

(E por isso mesmo estou a pensar em comprar um Papagaio para me fazer companhia. O que acham?)

sexta-feira, maio 19, 2006

A ultima viagem (Fim)





Sexta, 24 de Fevereiro/05

Bem cedo acordamos e fomos ao pequeno-almoço. Tínhamos de sair cedo para dar a volta à ilha. Ás 9 da manha já o nosso guia nos esperava com um sorriso enorme e branco. Lá começamos o circuito começando pela praia Café, que já conhecíamos. Depois desta inúmeras praias, umas maiores do que outras, acessíveis ou nem por isso, todas elas envoltas numa imensa vegetação equatorial.

A praia Joana é na minha opinião a mais bela de todas. De acesso quase impossível, o seu mar verde é de cortar a respiração. Pena não ser mais perto, cerca de hora e meia a pé desde o resort, pois senão esta seria a minha praia eleita. Talvez por isso, estivesse completamente deserta. Um assombro simplesmente!

Ao longo do percurso, calor e cansaço. E mosquitos, muitos mosquitos. Vontade de desistir mas tambem de ver mais além. No final, o esforço valeu a pena. Tínhamos conquistado mais uma “tarefa” e podíamos dizer que conhecíamos o ilhéu das rolas de uma ponta à outra. Faltou visitar o Farol mas já não havia pernas para mais. E o João apanhou-nos uma rola para a fotografarmos. Afinal são estas que dão o nome ao ilhéu.

Sexta à tarde, descanso..............

Uma vez que íamos embora no dia seguinte, o resort tinha programado uma festa de despedida na Sexta ao jantar. Este foi realizado no edifício das tartarugas e foi reforçado. A fazer lembrar o nosso país, a ementa incluiu pratos mais portugueses, como o bacalhau com natas, e de sobremesa leite-creme. Depois do jantar mais um espectáculo à semelhança do primeiro, com danças tradicionais s.tomenses, mas desta vez com direito a fotos!



Sábado, 25 de Fevereiro/05

O último dia de viagem começou como o da nossa chegada ao ilhéu. Com uma valente tempestade! Acordamos ao som da trovoada e da forte chuva e vento que se fazia sentir. O pequeno almoço foi recheado de trovões e a cada um alguem soltava um grito. Estavamos todos em silêncio como que respeitando o temporal. Parecia que S. Tomé nos queria punir pela nossa partida. Eu sentia uma imensa tristeza e já uma saudade enorme, que nao conseguia explicar. Olhava à minha volta e sabia que o silêncio dos outros em parte tambem se devia a essa tristeza. Africa atinge-nos como um raio luminoso no coração. E é impossivel não nos sentirmos tristes ao partir. No cais de embarque os miudos da aldeia tinham-se reunido para a nossa partida. Todos sorridentes diziam-nos adeus e gritavam de alegria. O João tambem lá estava, mais calado e reservado do que os outros. Parecia triste e eu ainda lhe disse "vais ver, um dia ainda nos voltamos a encontrar..." e não deu para mais. As palavras ficaram retidas na garganta e só fui capaz de o abraçar.

Tínhamos combinado com o hotel sair do ilhéu logo cedo de manha para chegar ainda de manha à capital. Queríamos ver tudo, o mercado, as lojinhas típicas, as casas de fachada típica portuguesa, a marginal, o porto..... E tudo vimos, infelizmente o cartão de memória da máquina digital acabou-se. E poucas fotos da capital tenho.

Obrigatoriamente vou ter que voltar a S. Tomé. Ficou-me lá o coração e não me consigo lembrar de tudo o que vi sem me emocionar. Lembrar-me do João, a cara tristinha dele quando se despedia de nós e nos dava a sua morada. Lembrar-me das crianças do ilhéu que vieram até ao porto para se despedirem de nós, e que nos disseram adeus até nos perderem de vista. Lembrar-me do amanhecer abrasador. Das praias calmas. Do cheiro a Africa.

O meu coração ficou em S. Tomé e vou ter que voltar lá para o reaver. Por isso para mim esta foi sem duvida a ultima viagem. A viagem da minha vida. A que vou guardar para sempre no meu coração, já completamente retalhado. Quem sabe um dia não regresso mesmo e retomo a parte do meu coração que lá ficou? Quero muito fazer isso. Só não sei quando!

(obrigado a todos os que comigo fizeram esta viagem. Vocês foram e são muito importantes para mim. Um beijo.)

segunda-feira, maio 15, 2006

A ultima viagem (Parte 4)





Quarta, 22 de fevereiro/05

Como que uma prática antiga que queríamos manter, depois de uma dia de agitação completa seguia-se um outro de puro descanso. Daí o pessoal da fábrica de óleo de palma só trabalhar dia-sim-dia-não. Estávamos a meio da semana de férias e ainda nem tínhamos descansado bem. Assim dedicamos o dia completamente ao lazer. A praia de S. António mesmo ali ao pé era deliciosa. Enquanto a maré estava vaza uma espécie de pequena piscina natural forma-se a um canto da praia. Alias, não se tratava de uma piscina natural mas mais de um aquário em ponto gigante, uma vez que se nos imobilizássemos uns segundos na água, logo apareciam vindos dos pequenos buracos das rochas, uma imensidão de peixes pretos, laranjas, amarelos e alguns transparentes. Ficava horas extasiada a vê-los brincar.

Aqui conhecemos uns portugueses de Setúbal e de Sintra. Quatro casais fantásticos. Passamos a manha dentro do “aquário” na conversa. O tempo estava excelente, a água mais quente que morna, uns amigos simpáticos, uma conversa relaxante.......... S. Tomé era de facto um paraíso!





Quinta, 23 de Fevereiro/05

O dia começou com uma subida ao Marco do Equador para visita. Um percurso desgastante mas compensador pois a vista do alto do monte é fenomenal. À hora marcada lá estava o nosso guia pronto para nos levar ao local. Meia hora depois, debaixo de um sol escaldante, e rodeados de milhares de mosquitos, alcançamos o cume. Sentada em cima da linha que divide o mundo, senti-me quase como o Di Caprio "I'm the queen of the worldddddddd"!

Tínhamos planeado também uma volta ao ilhéu para o conhecer na totalidade mas depressa nos rendemos: com aquele calor ou saímos bem mais cedo ou então era impossível. Combinamos com o João para o dia seguinte, manha cedo, para irmos pela “fresca”, se é que se pode dizer que isso existe em S. Tomé.

Passamos o resto da manha a descansar, o chamado “dolce fari niente”!

Ao fim do dia o R. foi fazer o seu baptismo de mergulho. Eu acompanhei no barco mas não me atrevi a mergulhar. A minha falta de ar crónica impediu-me dessa ousadia e daí que enquanto eles mergulhavam eu fiquei em cima a curtir a paisagem e o sol. O ilhéu visto de alto mar é de facto uma das mais belas paisagens que confesso ter visto até à data. O mar azul esverdeado à minha volta, aquela temperatura escaldante, tal como eu gosto, fez-me sentir o céu.

O R. adorou o mergulho e diz que viu alguns peixes fantásticos como o peixe papagaio de todas as cores possiveis e imaginárias, mas trouxe também um tímpano descolado o que lhe valeu uma ida ao médico no regresso a casa. Mas o dia estava ganho, com ou sem tímpano, tinha valido a pena. O fundo do mar assemelha-se a um outro mundo, enorme, completamente desconhecido mas definitivamente fascinante.

sexta-feira, maio 12, 2006

A ultima viagem (Parte3)



Segunda, 20 Fevereiro/05

Depois de quase um dia inteiro em viagem, adoptando diferentes meios de transporte, segunda-feira estávamos completamente cansados. Ainda bem que estávamos de férias e que não tínhamos nenhum compromisso marcado com ninguém. Assim, dedicamos o dia para o descanso.

Depois do pequeno-almoço fomos descobrir uma pequena praia junto ao restaurante do hotel. A Praia de Santo António, é simplesmente deslumbrante. Fazendo uma pequena baia de mar verde, banha uma areia imensamente branca. Descemos as escadas até ao fundo da praia e não conseguíamos deixar de nos espantar com a beleza natural daquela praia. Foi chegar, estender a toalha e mergulhar imediatamente na água. O calor apertava e a areia tornava-se difícil de se calcar de tão quente que estava. A água era de facto o único local que se conseguia suportar. Uma água tão quente como eu nunca antes tinha visto. A parte da manha foi passada aqui e posso dizer que de facto estivemos um bom par de horas de molho.

Nessa tarde decidimos voltar à nossa Praia Café. E mais uma vez estivemos rodeados de crianças que nos pediam doces e que não nos largavam por nada. O nosso amigo João não estava, tinha ido com outros visitantes do ilhéu passear pela ilha. Marcamos um encontro com uma miúda que insistia que era sua prima, para o dia seguinte.

Pela noite, o hotel tinha-nos reservado uma surpresa muito agradável. Depois do jantar fomos presenteados com uma noite de danças e musicas típicas de S. Tomé, no Bar do Golfinho. A musica africana, no inicio estranha e bastante diferente para nós, rapidamente nos vai contagiando e acabamos por nos deixar envolver totalmente. Os artistas convidados demonstraram vários tipos de dança, uma delas e se calhar a mais típica, A Tragédia. O final foi uma musica super alegre e muito contagiante que pôs todos de pé a dançar.


Terça, 21 de Fevereiro/05

Depois de um dia de descanso era tempo de partir à descoberta de mais coisas sobre S.Tomé. Por isso, dedicamos este dia para fazer uma excursão pelo sul da ilha, a zona de Caué. É complicado descrever a viagem apenas com palavras. As paisagens de mato verde que nos envolvem em toda a viagem são fascinantes. As pequenas praias são de uma beleza extraordinária. Mas o calor ao longo de todo o percurso é sufocante e as estradas não nos esqueçamos que não são as melhores. É por isso um misto de completo deslumbramento e extremo cansaço.

Visitamos Porto Alegre e ficamos desiludidos. Uma antiga roça portuguesa a cair completamente aos pedaços. Já sem janelas e sem portas mas sobranceira ao mar. Com uma vista linda para o ilhéu das rolas ao fundo. À volta da roça, minúsculos casinhotos de madeira das poucas pessoas que ali vivem. Saúdam-nos à passagem, mas o cheiro é tão intenso a peixe podre e a dejectos humanos que nós nem nos atrevemos a descer do carro.

Meia volta rumo a S. João de Angolares passamos entretanto por uma exploração agrícola que pertence ao próprio resort do Pestana, onde estamos instalados. É nessa exploração que se cultiva a manga, abacaxi, laranja e todo o tipo de legumes que o restaurante do hotel necessita para as refeições. Foi aí que tomamos conhecimento pela única vez com a famosa cobra preta de S. Tomé da qual constam historias que a sua mordedura é fatal, uma vez que não existe um antídoto contra o seu poderoso veneno. Graças a deus esta já estava morta quando chegamos à quinta.

Daqui seguimos para visitar uma fabrica produtora de Óleo de Palma, produto típico e que já começa a ser conhecido da cultura gastronómica S. Tomense. Por fábrica entenda-se uma empresa de fabrico quase artesanal de óleo de palma. Todo o processo desde a recolha do fruto de palma até à sua passagem a pasta e posteriormente ao oleo final é feito nesta empresa através de uma maquinaria pesada velha e que funciona a vapor imagine-se. Um ponto de interesse historio sem duvida. Mas o que nos surpreende mais nesta empresa é quando o encarregado nos diz que a empresa trabalha dia sim dia não por falta de matéria-prima. Olhamos à volta, e durante uns 5 ou 10 km só encontramos como que um grande palmeiral, com uns largos milhares de arvores e ficamos na duvida pelos motivos da verdadeira falta de matéria-prima.

Depois seguimos para a ultima visita antes de almoço, a povoação de S. João de Angolares. Num total de cerca de 50 km tínhamos gasto quase 4 horas, num percurso fisicamente muito cansativo. Chegando à povoação fomos de imediato visitar a escola local. Ninguém parecia contar com esta visita, e as crianças, sem duvida o grande valor de S. Tomé, corriam ao nosso redor, felizes e sorridentes enquanto nos chamavam amigos e nos perguntavam o nome. O director da escola recebeu-nos alegremente e fez-nos uma visita guiada pelas salas de aula impecáveis e mostrando-nos também o recreio e cantina dos alunos. A escola tinha presentemente 400 alunos e todos os anos o numero aumentava. A cantina foi talvez o único local da escola que nos impressionou pela negativa. Um espaço com cerca de 3 m2, com um fogão a lenha, e dois enormes panelões de papa de milho.


Deixamos a criançada e o seu professor e dando uma vista rápida pelo centro da povoação seguimos para a Roça de S. João, onde iríamos almoçar. Esta roça esta completamente recuperada e tem uma pousada e um restaurante muito típicos e simpáticos. Pertence a João Carlos o famoso apresentador de televisão do programa “Na roça com os tachos”. Aqui podemos apreciar a própria beleza da roça, uma casa de construção portuguesa, bem recuperada, com 2 pisos, janelas em toda a volta, com uma vista fantástica para o mar lá em baixo. Ao fundo da roça podíamos ver as antigas instalações da roça que serviam de hospital e de creche para os trabalhadores da mesma. Este era o local ideal para se ler o romance do Miguel Sousa Tavares, pois aqui tem-se a noção perfeitamente realista das roças que ele tão bem nos descreve.

O almoço típico de S.Tomé iniciou-se com umas bolinhas de peixe seco e omelete de micócó, erva aromática famosa deste país. Depois uma moqueca de gambas e peixe seco excelentemente acompanhada com um arroz de ervas aromáticas como nunca comi. De sobremesa tivemos fruta da região: papaia e jaca. Terminamos a saborosa refeição com o café de S. Tomé e depois daquela refeição e com aquela temperatura só apetecia ficar mesmo por ali a descansar e aproveitar a beleza do local.

Após uma pequena sesta bem merecida retomamos caminho de volta à ponta da baleia. Ainda eram umas 4 horas da tarde mas nós estávamos exaustos. A excursão tinha sido excelente mas as condições em que tinha sido feita tinham-nos feito num oito. Ainda antes de chegarmos ao local de embarque fomos visitar a Roça de Ribeira Peixe. Uma roça simplesmente espectacular que fica junto ao mar e que não passa hoje em dia de uma velha aldeia com um numero imenso de habitantes que nos saúdam ao passar. Um local levou-nos ainda a conhecer a famosa cascata de Ribeira Peixe, onde era costume os turistas banharam-se. Nós estávamos mortos de cansaço e só queríamos uma coisa: o hotel.

Daqui à ponta da baleia foi um pulo. E a viagem de barco parece-nos ainda mais rápida. Nesse dia praticamente não fizemos mais nada. Foi descansar antes do jantar e depois do café, de volta ao quarto para descansar. Começávamos a dar razão ao s.tomenses: trabalhar com este clima é muito complicado. As simples deslocações a pé ou de carro deixam-nos extenuados. Era preciso recuperar forças pois ainda há muito para ver neste ilhéu.

quarta-feira, maio 10, 2006

(uma pausa nesta viagem para uma confissão)

Sinto a minha vida em stand-by. Está parada, prestes a prosseguir mas parece que alguém carregou no pause e ela estacou, nesse preciso momento. Sinto que tenho que reiniciar mas se calhar ainda não chegou o tempo, a altura certa. “Ainda é cedo”, “o mundo não vai acabar”. Não? Quem me garante que não vai? Quem me dissesse há uns meses atrás que hoje estava em stand-by eu também não acreditava. Por isso também não acredito que o mundo não vai acabar. Quem sabe já amanha.
O mais difícil nas mudanças de vida é o traçar de novos objectivos. Esquecer e pôr de lado aqueles que tínhamos já como certos e para os quais lutávamos todos os dias. Mudar de vida significa deixar de lutar por eles, por esse objectivos traçados. E desenhar novos, baseados naquilo em que nos tornamos. E isso é o que mais custa. Desprendermo-nos dos nossos objectivos é como nos desprendermos de alguém que ainda amamos. È difícil e duro. Dói, lá, profundamente. E depois colocarmo-nos perante novos desafios parece tarefa vã, inútil, sem significado. Para quê? Tantos objectivos sonhei concretizar e depois de um dia para a noite eles esfumaram-se, como num passe de mágica, mesmo sem avisar.
Vou permanecer em stand-by. Ainda não sei por quanto tempo. De todos os lados surgem obstáculos que não me permitem chegar à tecla pause para que a minha vida recomece. Mas eu sei que vai chegar a altura de voltar a tocar a vida em frente. Só ainda não sei quando.

(a viagem segue já de seguida. quem quiser é favor subir a bordo)

sexta-feira, maio 05, 2006

A ultima viagem (Parte 2)


Domingo, 20 de Fevereiro/05

Contra todos os pressupostos passamos a alfândega em menos de meia hora. Neste aspecto S. Tomé não se assemelha a um país de África. A propositada burocracia, as tentativas dos funcionários do estado para serem subornados por nós para nos facilitar a entrada no país, nada disso se passou à chegada a esta ilha. Assim, eram 7 horas da manha e subíamos já a bordo de uma nova viagem, desta vez num carrinha Toyota de 8 lugares, já bastante usada e pouco conservada, para nos levar do aeroporto ao nosso destino final- o ilhéu das rolas.

O nosso guia chamava-se Severino Melo. Dizia ele que pertencia à família Melo de S.Tomé, uma família importante segundo o próprio, com vários elementos em lugares públicos. A viagem de 90 km iria demorar cerca de 3 horas. Isso mesmo, 3 horas de viagem para percorrer apenas 90km. O Severino dizia que a estrada era muito má mas o que nós encontramos foram estradas praticamente intransitáveis e que iam piorando à medida que nos deslocávamos para sul. A juntar a enormes buracos no pavimento, a locais sem qualquer ponta de alcatrão, juntava-se ainda umas quantas pontes caídas ou em muito mal estado que nos obrigavam a atravessar o rio através do seu próprio leito. Havia alturas em que a estrada dava lugar a simples caminhos no meio da intensa vegetação de S.Tomé, o que nos fazia imaginar que estávamos no meio da selva num safari.

O Severino ia apresentado os vários locais por onde íamos passando. Santana, a povoação mais perto da capital e que era a sua terra natal. Um amontoado de casas de madeira, pequenas palhotas de madeira escura, velha e sujas, era aquilo que conseguimos ver. E montanhas de gente. Homens, mulheres e crianças, espalhados por todos os lados. Sentados na berma das estradas, na porta das casas, nas pequenas lojas da aldeia. O Severino de minuto a minuto apitava na buzina da carrinha e ia cumprimentando parecia-nos que toda a gente.
- Todos somos amigos aqui, dizia, e esforçamo-nos para nunca haver brigas.
A população ia-nos saudando também, dizendo adeus e ofuscando-nos com os seus lindos sorrisos brancos.
Uns quilómetros mais à frente chegávamos à Roça de Água Izé imortalizada no livro de Miguel Sousa Tavares, “Equador”, leitura obrigatória a todos os que pensem conhecer S.Tomé e Príncipe. Aquilo que restava agora assemelhava-se a um enorme complexo fabril, com varias habitações em redor, escadarias e ruelas, como uma pequena vilazinha portuguesa. Mas como que uma vila fantasma. Vazia ou esvaziada de vida ou de um objectivo. O intenso labor de outros tempos era agora não mais que uma recordação. Tentei em vão imaginar como teria sido a roça no tempo dos portugueses. O Severino ia-nos dizendo que nesse tempo esta roça era uma das maiores e com maior produção de café e cacau. E acrescentava que depois que nos tínhamos vindo embora em 1975, tinha ele 5 anos, tudo tinha acabado. O governo tinha tomado conta da roça e depois dividido pela população, antigos trabalhadores na mesma. Hoje em dia cada um tinha o seu bocado e fazia dele aquilo que quisesse. Como o típico S. tomense não aprecia particularmente o trabalho, pode-se facilmente imaginar como se encontra agora a roça.

E o percurso, todo ele, toda a descida até ao sul, um imenso manto verde, um manto de vegetação. Mil espécies de arvores, de frutos, de arbustos, palmeiras, numa mistura difícil sequer de inumerar. E a estrada ia piorando, tornando-se mais difícil de transpor.
- Mais lá para a frente tem um pedaço de estrada melhor, ia dizendo o Severino, talvez para nos manter animados.
E prosseguia encosta abaixo, encosta acima, conduzindo-nos por uma mata espessa onde deixávamos até de ver o mar, onde nos sentíamos perdidos no verde ofuscante. E mais a frente, assim de repente, mais uma praia deslumbrante, o verde brilhante do mar, uma paisagem de cortar a respiração.

A população seguinte mais importante a que chegamos foi S. João de Angolares a cerca de 40 km do cais de embarque. A custo tentávamo-nos manter animados. Sempre à espera do tal pedaço de estrada melhor que parecia nunca mais surgir. Antes dele ainda tivemos que transpor vários ribeiros e até um rio, o Rio grande, exactamente por cima da água, em tábuas meticulosamente colocadas para servir de ponte. Isto porque esta via-se a poucos metros de nós, quase desfeita e a cair.
- Quando a água sobe, temos que arriscar pelas pontes, disse-nos o Severino. As pessoas desembarcam, e nós aceleramos, e seja o que deus quiser!
Sorrimos e demos graças a Deus pela estação das chuvas estar só no seu inicio.

Quando já todos pensávamos não aguentar mais, eis que finalmente chegamos ao cais de embarque, a Ponta da baleia. Do outro lado, e apenas a 20 minutos de barco, finalmente, o ilhéu das rolas. Despedimo-nos do Severino até outro dia.
Trinta e duas pessoas, sem malas, embarcam no barco do resort que nos levará ao nosso tão desejado destino. Sobre um mar agitado, quem disse que o mar era sossegado por estas paragens, lá íamos contando os minutos como que para chegar finalmente a casa. Durante todo o percurso do aeroporto até aqui, o calor tinha sido insuportável, mas no barco tornava-se pior, uma vez que viajávamos debaixo de sol e ainda vestidos com coletes salva-vidas. Lembro-me de olhar para o ilhéu e sentir que jamais o alcançaríamos, pois parecia sempre distante. E lembro-me da forte ondulação que me revolvia o estômago. E do verde. O verde exuberante dessa pequena ilha no meio do atlântico.

Eram quase 11 horas da manha quando desembarcamos no ilhéu. Extenuados pelo calor e pela longa viagem que se tinha iniciado de comboio no Porto, e tinha passado por esses diversos meios de transporte. O primeiro impacto nestas condições é quase sempre desanimador. Tanto pelo que passamos para isto? Isto é apenas uma ilha! Uma ilha diferente, exótica, deslumbrante mas....... o calor e o cansaço vencem a euforia natural que nos deveria atingir.
Próximo acontecimento: a welcome drink! Água de coco ao natural! Pois, ao natural mesmo! E depois finalmente o check-in no hotel. Ficamos instalados no quarto 303, que ficava em frente ao mar, ao jacuzzi e à piscina do resort. Estávamos ansiosos por nos livrar daquela roupa e poder refrescar-nos naquele imenso mar mas ainda faltavam as malas que tinham ficado do outro lado, no cais de embarque. Estas só chegaram ao fim de uma boa hora. Finalmente podíamos partir à descoberta do ilhéu, tomar banho nesse mar verde, esteirarmo-nos na areia e descansar!

Mas antes de tudo isso era preciso retemperar o estômago e daí que fomos almoçar ao Bar do Pepe. Umas sandwiches e muita bebida numa tentativa frustada de matar a sede. Perguntamos ao empregado do bar qual era a melhor praia por ali, ao que ele nos indicou a Praia do Café!
Seguindo as indicações que nos deram, lá fomos nós descobrir a Praia café. Passamos a recepção, a capela do ilhéu com a sua fachada branca e azul a lembrar algumas casas de Portugal, a praia dos pescadores. Nessa praia a primeira revelação. A exuberante vegetação tocava quase no mar. Meia dúzia de barcos de madeira, frágeis e simples, dos pescadores da aldeia, que serviam para fornecer o peixe para o restaurante do hotel e também para o consumo local da população. Habituados já aos turistas por aqueles lados, havia pescadores que ofereciam já almoços na praia por apenas 5 €. Nós, na verdade, não experimentamos. As condições de higiene em que eram confeccionados os alimentos eram para nós um mistério e preferimos não arriscar. Não é por nada de especial, mas quem vai à consulta do viajante antes de embarcar para S.Tomé e se vê confrontado com um grande numero de vacinas, medicamentos, conselhos médicos e outras profilaxias, fica um pouco assustado. E nenhum de nós estava disposto a contrair a malária ou outro tipo qualquer de doença local.

Depois, e transpondo finalmente a linha do equador para o hemisfério sul, lá encontramos a dita praia. Sem palavras! A cor da água era qualquer coisa de fantástico. Um verde quase esmeralda, uma areia quase branca. A paixão por África começou aqui!

Mas a verdadeira paixão, é pelas pessoas, principalmente pelas crianças. De todos os cantos, e enquanto nos dirigíamos para a praia, foram-nos assaltando pelo caminha, perguntado-nos alegremente o nome e pedindo doces. Foi assim que conhecemos o João. Este menino de 13 anos decidiu acompanhar-nos até a praia e com o seu sorriso branco resplandecente lá nos ia fazendo perguntas de Portugal e respondendo ás nossas questões. Foi o verdadeiro anfitrião de S. Tomé! Conversou muito, queria saber muitas coisas e contou-nos também alguns dos seus gostos e desejos. Era benfiquista, e queria ser engenheiro civil. Estudar em Lisboa na universidade técnica. Tinha família em Leiria e contava em Junho poder ir a Portugal visita-los. Desde logo ficou com o nosso convite de nos encontrarmos em Portugal. Ele meio maravilhado, meio desconfiado lá ia sorrindo.

Enquanto conversávamos com o nosso pequenos anfitrião, víamos ao longe a aglomerar-se umas nuvens negras que cobriam já as partes mais altas da ilha de S.Tomé à nossa frente.
- Vem aí chuva João?
Sim hoje ia chover com toda a certeza. Estávamos no inicio da época das chuvas em S.Tomé. A temperatura era mais elevada mas havia mais humidade e chovia quase todos os dias ao entardecer. E não foi preciso muito tempo para de facto começar a cair a chuva. Tivemos tempo apenas para uns banhos de mar e meia hora de descanso deitados na toalha. De repente, o João levantou-se e disse-nos:
- Vamos embora, vai chover!
Depressa nos levantamos, nos vestimos e nos pusemos a caminha. A chuva começou então a cair em pingos grossos que refrescavam e encharcavam ao mesmo tempo. Num segundo abateu-se uma verdadeira tempestade de vento e chuva à mistura.
- Temos que ir pela praia, gritou-nos o João, é perigoso ir por este caminho, ainda nos pode cair um coco na cabeça!!!
Assustados corremos atrás daquele menino que parecia tão indefeso e ao mesmo tempo tão forte e sabedor das coisas. A nossa fuga a correr durou para aí um minuto porque o calor e a humidade rapidamente nos tirou o fôlego para continuar. Paramos de correr e continuamos em passo mais lento e o João como bom anfitrião, abrandou também nunca nos abandonando. Parecia o fim do mundo. Era o paraíso transformado no inferno. Chuva torrencial, vento forte que nos atirava para trás, folhas pelo ar, o barulho das arvores atrás de nós, os fortes relâmpagos que cortavam a escuridão que de repente se tinha abatido no ilhéu.
Junto da aldeia dos pescadores despedimo-nos do João e seguindo pelo caminho já conhecido chegamos novamente ao Bar do Pepe. Parecia que todos tínhamos tido a mesma ideia e era vermo-nos todos engalfinhados no minúsculo espaço do bar. Olhávamos para a tempestade lá fora e sorrimos. O primeiro dia em S.Tomé e tínhamos sido logo confrontados com uma tempestade equatorial. Encharcados até aos ossos mas felizes rumamos ao nosso quarto para nos secarmos. Não convinha apanharmos uma constipação logo no primeiro dia. E assim foi o nosso primeiro dia de aventura no ilhéu, apanhados pelo que os locais chamaram de pequeno tufão.

terça-feira, maio 02, 2006

A ultima viagem. (Parte 1)


O meu primeiro contacto com África, a África dos portugueses, foi na verdade S.Tomé e Principe. Embarquei a 19 de Fevereiro/05 com destino a S.Tomé numa viagem de 9 dias.
A viagem começou num Sábado à tarde com partida do Porto ás 17.15 no Alfa/pendular com destino a Lisboa, estação do Oriente. Com a duração de 3 horas, foi um início de viagem tranquilo e de completo relaxe em comparação com aquilo que nos esperava até ao nosso destino. Chegados a Lisboa pelas 20 horas apanhamos um taxi rumo ao aeroporto da Portela. Faltavam 15 minutos para as 21 quando fizemos o check-in no balcão da Air Luxor, para o voo CZ-508 com partida confirmada para as 00:05.
Depois de despachadas as malas foi tempo de retemperar as forças e de nos prepararmos para mais um percurso, desta vez mais longo e cansativo. Foi o tempo de jantar e fazermos as ultimas compras na “civilização”, uma vez que nos encontrávamos a viajar rumo a África. Nunca se sabe o que por lá existe ou não e convinha não esquecer nenhum dos produtos a que estamos habituados a consumir diariamente por cá.
A viagem de avião durou 6 horas e 15 minutos. Como foi feita de noite e reforçada com um Xanax logo após a entrada no avião, a viagem revelou-se mais ou menos relaxada, apesar de longa. Uma vez em S.Tomé, o destino era agora o Ilhéu das Rolas, a sul da ilha, a 90km da capital.